A ORIGEM DA PALAVRA CURIOSIDADE…
(Inácio Almeida)
O estudo sobre a curiosidade apresenta um largo percurso na história da literatura ocidental. Contudo, já em seu nascedouro tal palavra assume matizes diversos e em alguns casos até mesmo contraditórios. Desta forma, faz-se necessário estabelecer o campo semântico em que este termo se determina, bem como analisar brevemente como tal palavra foi compreendida ao longo da história.
O vocábulo curiositas é um neologismo latino atribuído a Cícero em sua carta a Atticus (2. 12. 2). Este termo provém da raiz latina “cur” que significa por quê. Daí também nasceu o vocábulo “cura” que quer dizer cuidado. Desta forma, em sua acepção primeira, tal palavra apresenta uma significação positiva, pois o curioso é aquele que procura saber o “porquê” das coisas. Logo em seu nascedouro a curiosidade estava ligada diretamente a motivação da mente em desejar o conhecimento. Por esta razão é muitas vezes considerada como sinônima da admiração.
Entretanto, a palavra curiosidade é comumente utilizada para designar outro sentimento que apresenta efeitos opostos sobre o ato do conhecimento intelectual . Ela também é entendida como o excessivo e intemperante afã de conhecer, aproximando-a da noção de cupiditas ou de “curiositas de ubristique” . Desta forma, desde a antiquidade, tanto o natural desejo de conhecer, bem como o seu excesso foi entendido pelo nome de curiosidade.
A curiosidade na mitologia
Na literatura grega, as conseqüências da excessiva curiosidade (Periergia) são claramente descritas no mito de Pandora (Πανδώρα). De acordo com o relato de Hesíodo , Prometeu, irmão de Epitemeu, roubou uma centelha do fogo divino e deu aos homens o domínio deste elemento. Zeus, indignado com tal atitude, resolveu então castigar o gênero humano. Foi então que ordenou a Hefesto e Atena que criassem uma mulher. Ela deveria ser adornada com todos os dons, para depois de ser oferecida como esposa a Epitemeu .
Parecendo já temer a vingança dos deuses, Prometeu alertou a seu irmão que não aceitasse nenhum presente que fosse oferecido por eles. Entretanto, Epitemeu não levou em consideração tal conselho e por fim acabou tomando Pandora como sua esposa. Esta havia recebido de Zeus como presente de núpcias, uma caixa que por nenhuma razão deveria ser aberta, pois continha em seu interior todos os males e desgraças .
Entretanto, quando Hermes e Hefesto criaram Pandora, além de tê-la ornado com todos os dons, também puseram em seu coração o germe da curiosidade. Por este motivo a imprudente mulher não resistiu à tentação e, em certo dia, resolveu abrir a misteriosa caixa. Foi então que dela saíram a fome e a sede, a tristeza e a morte que rapidamente se espalharam pelo mundo. Dando-se conta do ocorrido, Pandora tentou fechar o recipiente. Entretanto todas as desgraças já haviam saído. A única coisa que restava em seu interior era solitária esperança que, devido a esta imprudente curiosidade, para sempre ficou afastada do convívio com o gênero humano.
Desta forma, pode-se concluir que os efeitos maléficos da curiosidade excessiva já eram fortemente difundidos na literatura clássica grega e não propriamente uma concepção imposta pelos dos padres da Igreja . Todavia, foi através dos autores latinos que a curiositas foi objeto de uma repreensão mais acentuada .